O pai da pílula faz ficção
Carl Djerassi, o criador do anticoncepcional, hoje se dedica à literatura e ao teatro
MAURO HOSSEPIAN
Não fosse a obsessão pelos temas científicos em seus textos, Carl Djerassi poderia passar por mais um escritor e dramaturgo. Aos 76 anos, quase 50 após o feito que inseriu seu nome na história da humanidade, o pai da pílula anticoncepcional dedica atualmente oito horas de seu dia, sete vezes por semana, a escrever peças de teatro e romances.
faz ao escrever romances: "science-in-fiction", ou seja, apresenta conceitos e teorias científicas de forma ficcional, utilizando personagens. Após ter publicado contos, poemas, ensaios, cinco romances e uma autobiografia, Djerassi sentiu a necessidade de dar vida a essas personagens e resolveu então partir para o palco. "Science-in-theatre" é a nova linguagem de Carl Djerassi, que está na Europa divulgando sua segunda peça, "Oxygen". Divulgação
Carl DjerassiComo ele próprio diz, é hoje um novelista que quer ser um dramaturgo e que faz um pouco de ciência nas horas vagas. Djerassi é professor titular da cadeira de éticas biomédicas na Stanford University, na Califórnia, Estados Unidos, país para onde migrou com sua família, fugindo da Áustria nazista. Em suas aulas, os doutorandos escrevem peças de ficção coletivamente. O professor faz, ao ensinar ciência, o que
Sua vida no campo das artes tem um marco zero trágico: o suicídio de sua filha, a poeta e artista plástica Pamela Djerassi, em 1978. Carl decidiu então erguer um memorial a ela, mobilizando para tanto parte da fortuna acumulada em uma bem sucedida carreira como executivo na indústria farmacêutica. Em 1979, nascia o Djerassi Resident Artists Program, que fornece estrutura e atividades de apoio à criatividade de artistas do mundo inteiro. Por telefone, de Londres, Djerassi falou com exclusividade à Revista Submarino.
Na entrevista, ele discorre sobre o que considera como os principais reflexos da pílula na sociedade, fala sobre a batalha que teve contra um câncer de cólon e faz previsões para o século XXI. Seu primeiro romance, "O Dilema de Cantor", publicado no Brasil pela Nova Fronteira, conta justamente a história de um pesquisador que cria uma hipótese para explicar a formação dos tumores e, por conta disso, enfrenta inúmeras intrigas no meio científico. Ao lado de outras 29 personalidades de diversos campos, como ciência, literatura e filosofia, Djerassi participou do livro "Predictions – 30 great minds on the future", lançado no ano passado pela Oxford University Press. Nele, Djerassi expõe a teoria —assustadora para muitos— que diz que, daqui a 30 anos, o sexo estará definitivamente separado da reprodução, e a humanidade será toda esterilizada.
Revista Submarino — O senhor não acha que ao separar o sexo da reprodução, como diz sua previsão para o século XXI, não está simplificando o processo de formação de um ser humano, à medida que o torna puramente material e renega a importância do ato da concepção na constituição da alma?
Carl Djerassi — Na minha opinião, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Não há alma envolvida quando um espermatozóide entra em um óvulo. É claro que a alma é algo difícil de ser definido, mas se você quiser pensar nisso, a alma a ser criada deveria estar dividida dentro do ovo, com metade vinda de cada parte. Na verdade, é um material genético que é combinado dentro do ovo, nada além disso. Eu não estou discutindo religião, apenas ciência.
Revista Submarino — Se essas previsões se confirmarem, ou seja, se a esterilidade se impuser como método anticoncepcional e, se para gerarmos uma criança, bastará irmos a um banco onde estará recolhido nosso material genético, quais seriam as consequências disso na sociedade e no comportamento dos seres humanos?
Carl Djerassi — Acho que você está exagerando. Quero deixar claro que tudo o que estou dizendo é que a única coisa que acontecerá fora do corpo é a fertilização propriamente dita, em outras palavras, a entrada do espermatozóide no óvulo. Após isso, o ovo é introduzido no útero da mulher, tem início a gestação e nove meses depois nasce o bebê, exatamente da mesma forma que acontece hoje. Se você considerar apenas isso, o que vai ocorrer é que as pessoas saberão exatamente quando se dará a gravidez e poderão fazer sexo quantas vezes quiserem à hora que quiserem sem se preocupar com a fertilização. O que pode trazer mudanças na sociedade é o fato de que, da forma descrita, uma virgem poderá engravidar. Basta retirar um óvulo seu, fertilizá-lo no microscópio e introduzir o ovo em seu útero. Em relação à esterilização, esse é o método de controle de natalidade mais utilizado por pessoas casadas nos Estados Unidos hoje em dia. Atualmente, 33% da população casada nos EUA é esterilizada. Na China, 50%. Na Inglaterra, 23%. Na Alemanha, 6%. Na América Latina, o número de mulheres esterilizadas é muito alto. Na América Central, um terço da população feminina com menos de 30 anos é esterilizada. Muitas dessas pessoas usam a esterilização não apenas devido ao controle de natalidade, mas por desespero, por já terem muitos filhos e não quererem mais. Dessa forma você tem apenas os filhos que quiser ter. Não é tão dramático assim.
Revista Submarino — O que é o "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, para o senhor? Não acredita que existirão barreiras a serem enfrentadas, que excluirão parte da sociedade, notadamente os mais pobres?
Djerassi — Sem dúvida. Esse é um dos aspectos negativos disso tudo. Tudo isso que eu estou falando requer relativa alta tecnologia, além de ser relativamente caro. Portanto, de início, essa técnica não estará disponível para as populações pobres, tanto nos países ricos quanto naqueles considerados pobres. Um dos benefícios desta nova forma de reprodução é a capacidade de eliminar certas doenças genéticas porque você poderá examinar geneticamente os embriões dois dias antes de inseri-lo no útero da mulher. Isso quer dizer que as pessoas com maior poder aquisitivo poderão eliminar desajustes genéticos enquanto os outros, não, o que é terrível. A consequência disso será um alargamento do abismo que existe entre aqueles que têm dinheiro e os que não têm. E isso é muito triste. Acredito que haverá castas, sim, apenas duas, a melhor (que usufruirá de todas essas técnicas) e a pior, que não terá acesso a isso. Mas o uso que eu faço do termo "Admirável Mundo Novo" não diz tanto respeito às estratificações sociais da população, mas sim ao uso da tecnologia nos mais profundos processos biológicos e sentimentais —algo sobre o que Huxley também descreve.
Revista Submarino — Quais foram as principais mudanças ocorridas desde a criação da pílula, em 15 de outubro de 1951?
Djerassi — A pílula possibilitou o sexo sem procriação, o que vai contra o pensamento da igreja católica, que diz que você só pode fazer sexo quando existe a possibilidade de procriação. Só que muitas pessoas não aceitam isso. A pílula simplificou a decisão de fazer sexo por divertimento. Mas o segundo passo na separação entre sexo e procriação veio anos mais tarde, em 1977, quando a primeira fertilização "in vitro" ocorreu na Inglaterra. Com a pílula, você pode ter sexo sem gerar uma criança, mas se você quiser ter uma criança basta fazer sexo sem a pílula. Com a fertilização "in vitro", tornou-se possível ter filhos sem fazer sexo. E então você tem essa combinação de pílula com fertilização "in vitro", sobre o que eu falo nesse cenário traçado para o século XXI, quando se fará sexo apenas por divertimento, amor ou luxúria, e a reprodução —a fertilização— será feita no microscópio. E apenas quando você quiser, ou seja, não haverá mais gravidez acidental.
Revista Submarino — E os reflexos sociais decorrentes dessa nova ordem?
Djerassi — Para responder isso é preciso relembrar uma estatística da Organização Mundial da Saúde (OMS), que diz que a cada 24 horas ocorrem 100 milhões de atos sexuais no mundo. Esses 100 milhões de atos sexuais resultam em 1 milhão de gestações, das quais 50% são inesperadas e 25%, indesejadas. Ou seja, a cada 24 horas há 250 mil concepções indesejadas, que provocam 150 mil abortos diariamente. Esses abortos não serão mais necessários. Outra consequência social importante será a mudança na relação de poder advindo do sexo entre o homem e a mulher. Especialmente na América Latina, onde o conceito de machismo é muito forte. Sem entrar no mérito do que é certo ou errado, o homem é o encarregado de demandar as relações sexuais, de dar início a esse processo. A clássica definição do "macho man" diz que ele deve dormir com o maior número de mulheres possível e ter o maior número de filhos possível. Esse papel do homem vai mudar definitivamente. O homem passará a exercer o papel de doador de esperma, será um papel biológico. Daí em diante o papel de pai terá muito mais valor do que tem hoje, o que é bastante positivo. O papel sexual do homem deixa de ter tanta importância em detrimento de seu papel social.
Revista Submarino — Por que não temos uma pílula para o homem?
Djerassi — Essa não é uma questão simples, mas vou te dar uma resposta simples. Cientificamente é possível desenvolver uma pílula para o homem, mas não há sequer uma indústria farmacêutica interessada nesse trabalho. Há duas razões fundamentais para esse desinteresse. Uma delas é: o que aconteceria se um homem tomasse a pílula por 20 anos seguidos? Isso incorreria no desenvolvimento de um câncer ou de algum outro tipo de doença? Essa resposta demandaria anos e anos de pesquisa para que se chegasse a uma prova científica de que não haveria esse tipo de risco. Outra questão importante a ser discutida ao se desenvolver uma pílula masculina é saber em quanto tempo após parar de tomar a pílula o homem volta a ser fértil. As mulheres tomam a pílula porque sabem que podem engravidar assim que pararem de tomá-la. Para ter certeza de que um homem poderá ter filhos quando tiver 48 ou 55 anos, após ter tomado a pílula a vida toda, será necessário realizar experiências com milhares de homens durante muitos anos. Quem se submeterá a esses experimentos? Além da dificuldade em encontrar voluntários, essa experiência seria extremamente cara. Haveria também dúvidas sobre o que aconteceria a um homem que tomasse a pílula por 40 anos em relação à potência sexual ou ao desenvolvimento de câncer de próstata. Consequências como essas gerariam milhões de ações judiciais contra os laboratórios. Outra questão a ser levada em conta é que o mundo hoje deve ser dividido entre o que eu chamo de mundo geriátrico e mundo pediátrico. O mundo geriátrico é composto por Europa, Japão e certas extensões do continente americano. O mundo pediátrico é formado pela América Latina, Ásia e África. No mundo geriátrico, 20% da população têm mais de 60 anos de idade, enquanto no mundo pediátrico, entre 40% e 50% da população têm menos de 15 anos. A indústria farmacêutica está interessada no mundo geriátrico, que é o mundo rico, o que vale dizer que ela está interessada em desenvolver medicamentos para o mal de Alzheimer, câncer, doenças cardiovasculares e não nas doenças do mundo pediátrico, onde o controle da natalidade é uma questão importante.
Revista Submarino — O que o senhor pensa sobre as acusações de que a pílula é machista porque foi feita por homens e é destinada às mulheres?
Djerassi — Entendo perfeitamente e não discordo de maneira nenhuma. Essa é uma questão que eu levantei na minha autobiografia. No meu terceiro romance, no início do terceiro capítulo, você pode ler: "Biologia reprodutiva? Você deve estar se referindo à biologia reprodutiva feminina. Por que vocês homens nunca prestam atenção em vocês próprios?!". Eu sei que esta é uma questão levantada a todo o momento e é bastante pertinente. A resposta simples é de que a pílula foi inventada por homens e que esses homens não quiseram realizar experiências com o próprio sexo e sim com mulheres. O motivo disso, a razão fundamental, é que naquele tempo só havia homens trabalhando nesse campo porque havia uma discriminação cultural em relação às mulheres em todos as áreas da ciência. Se a pílula tivesse sido inventada nesses dias é bastante possível que ela fosse inventada por mulheres. A outra questão é que há um contraceptivo natural e este é o hormônio sexual feminino progesterona. A mulher não engravida enquanto está grávida porque seu corpo produz progesterona a todo o tempo. Nos anos 20, os médicos austríacos já se perguntavam por que não usar o progesterona como um contraceptivo. Uma das razões pelas quais isso era praticamente inviável é que o progesterona não é ativo se ingerido oralmente. Para que funcionasse como um contraceptivo, seria necessário que a substância fosse injetada diariamente. Então, o desafio passou a ser criar um novo composto, um novo esteróide, que tivesse as mesmas propriedades biológicas que o progesterona e que agisse sendo ingerido oralmente. E foi o que fizemos. Isso é boa ciência baseada no conhecimento da biologia e não em uma idéia machista maluca.
Revista Submarino — De que maneira a pílula foi aceita em diferentes culturas? Em outras palavras, o senhor é bem recebido em todos os lugares por onde passa?
Djerassi — Sim, com exceção de algumas sociedades católicas, mas mesmo nesses lugares a pílula é um método contraceptivo popular. Tomemos o Brasil como exemplo. O Brasil é um país cuja religião oficial é a católica. No entanto, dentre aqueles que utilizam métodos contraceptivos, a pílula é o mais popular deles. O mesmo pode ser dito em relação à Colômbia ou à França ou à Alemanha, mais especificamente ao sul da Alemanha, que é inteiramente católico. Há também os exemplos daqueles países onde a pílula não é usada, como Paquistão, Nigéria ou em vários outros países da África. Porém, nesses lugares, eles não usam qualquer método contraceptivo. Vejamos os maiores países islâmicos do mundo. Na Indonésia, por exemplo, a pílula é largamente usada. Portanto eu acredito que essa é uma questão muito mais de aceitabilidade. Um dos motivos pelos quais a pílula se tornou popular é a facilidade que ela oferece. Muitas pessoas simplesmente não gostam de usar a camisinha, por exemplo, ou em determinadas sociedades não se usa o diafragma porque é preciso introduzi-lo no corpo da mulher. Eu não estou querendo dizer com isso que a pílula é um método contraceptivo ideal. Nada é ideal. Tudo depende de uma série de fatores —comportamentais, sociais, econômicos, culturais, religiosos etc. O ideal seria que houvesse um supermercado de produtos contraceptivos, e cada um escolheria o seu. Mas isso jamais vai acontecer porque já não há mais interesse em desenvolver novos métodos.
Revista Submarino — Qual a semelhança entre as pílulas que encontramos hoje em dia nas farmácias e aquela que o senhor inventou nos anos 50?
Djerassi — Há centenas de contraceptivos no mercado, mas apenas seis diferentes entidades químicas. Esses seis compostos são quimicamente muito similares àquele da pílula de 1951. Um deles é exatamente o mesmo. Portanto há milhões de mulheres atualmente tomando exatamente a mesma substância criada por nós naquele ano. Isso é surpreendente para mim.
"Decidi escrever para divulgar conceitos científicos"
Revista Submarino — Sobre sua carreira literária, quais são suas fontes como leitor? Quem o inspirou?
Djerassi — Eu resolvi começar a escrever romances para divulgar importantes conceitos científicos para o grande público. Minha atual esposa, que é professora de literatura na Stanford University, foi muito importante para mim nessa decisão. Entre os escritores, não sigo um modelo específico. Leio bastante, mas creio que nenhum deles escreve no gênero que eu escrevo, o qual eu chamo de "science-in-fiction", para diferenciar da ficção científica ("science fiction"). Como referência, eu citaria Sinclair Lewis, vencedor do Nobel (1930), e na Inglaterra, C.P. Snow, que escreveu livros relativos à ciência. Citaria também John Updike, que escreveu livros do gênero, e Philip Roth.
Revista Submarino — Atualmente o senhor está envolvido em um novo projeto que definiu como "science-in-theater". Por que partiu para o teatro?
Djerassi — Eu sou uma pessoa que escreve de dia. Escrevo de sete a oito horas por dia, sete dias por semana. O ato de escrever é maravilhoso, porém é muito solitário. Eu sentia necessidade de estar entre pessoas, de ver as personagens vivas. Eu sempre preferi o teatro ao cinema porque você pode ver a mesma peça diversas vezes e nunca uma será igual à outra, enquanto no filme está tudo lá, impresso. Eu gosto desse aspecto imperfeito do teatro, de a cada dia melhorar determinada performance. Eu assisto 30, 40 peças por ano, e sempre me impressionou a ausência da visão científica ou da ciência no teatro. E então eu decidi que queria fazer alguma coisa a respeito. Eu queria usar o palco. Os cientistas nunca usam a forma do diálogo. Artigos científicos são sempre escritos de forma monóloga. E eu achei que seria interessante apresentar a ciência na forma de diálogo.
Revista Submarino — Quais são seus próximos passos no campo das artes?
Djerassi — Acho que será a TV. Minha primeira peça, "An Immaculate Misconception", foi transmitida pela rádio BBC em maio deste ano. Essa peça baseou-se no meu romance "Menachem's Seed". Essa mesma peça está sendo convertida para o vídeo por uma companhia de São Francisco e então as pessoas poderão assisti-la em breve sem sair de casa, o que é o ponto mais importante. Espero poder trabalhar na adaptação dessas peças para a televisão, como eu fiz com as peças adaptadas para o rádio. Eu gostaria de poder levar meu trabalho também para a América Latina, onde vivi, no México, por cinco anos. Portanto, eu falo espanhol, não o português. Mas eu viajei constantemente ao Brasil durante quase 15 anos, entre 1955 e o começo dos anos 70. Ia duas vezes por ano ao Rio e a São Paulo, onde ajudava estudantes e colaboradores com pesquisas. Daí o meu interesse em divulgar meu trabalho como ficcionista na América Latina.
Revista Submarino — O senhor usa a ficção em um curso de doutoramento na Stanford University. Como é isso?
Djerassi — É um curso em que ensino ética biomédica. Ao invés de fazer conferências sobre o assunto, eu peço a meus estudantes, que já são graduados e que têm vinte e poucos anos, para que descrevam problemas éticos ou de comportamento que eles experimentaram ou ouviram falar ou com que se preocupam simplesmente. Eles gostam muito desse tipo de aula, principalmente as mulheres. Eu peço a eles que vão até a frente da sala de aula, finjam que estão em uma ficção e encenem o que estão descrevendo. E então eu discuto cada história individualmente com os estudantes e sugiro alterações. A partir daí, eu removo os nomes das histórias e as numero, de forma que ninguém mais saiba de quem é cada história, a não a ser a sua própria. E isso funciona muito bem porque são os estudantes que expõem os problemas a serem discutidos, não o professor. Eles se sentem mais confortáveis tratando os problemas como ficção e não como histórias reais vividas por eles. Na etapa seguinte, eu peço aos estudantes que escrevam cada história coletivamente, com cada um escrevendo um parágrafo. Eles não sabem quem escreveu o parágrafo anterior ao seu, só eu sei. E então pego o primeiro parágrafo para que um estudante reescreva o segundo, pego o segundo que havia sido escrito e o envio para um outro estudante para que ele reescreva o terceiro, e assim por diante. Eu fiz isso em 1998, e o texto final, escrito por 15 estudantes, foi publicado na revista "Nature". Foi a primeira vez que a "Nature" publicou uma peça de ficção.
Revista Submarino — Como foi sua batalha contra o câncer em 1985? O que senhor aprendeu com isso?
Djerassi — Aprendi que não sou imortal (risos). Eu nunca havia me preocupado com a morte antes. Eu sempre fui, e ainda sou, uma pessoa saudável. Eu achava que isso poderia ter acontecido décadas mais tarde do que ocorreu e de repente eu me vi em uma situação em que eu poderia não sobreviver ou morrer em poucos anos. Isso teve um enorme impacto sobre mim. Esse foi um dos fatores que me levou a escrever porque eu não sabia quanto tempo me restaria. Então eu decidi que queria viver uma nova vida intelectual.
Revista Submarino — O senhor já disse que o Djerassi Resident Artists Program existe por causa da morte da sua filha, que era uma artista plástica. Essa comunicação entre arte e ciência que existe em seu trabalho como novelista e teatrólogo é também reflexo daquele acontecimento?
Djerassi — Sim, absolutamente. A morte da minha filha foi a maior tragédia da minha vida. Eu nunca vou me recuperar disso. O suicídio obviamente não é algo positivo, é o fim de algo e eu senti a necessidade de criar alguma coisa viva a partir dessa morte.